Somos todos iniciantes
17.4.16Não sou a favor da admissibilidade da denúncia pela câmara porque ela "roubou" ou porque ela é a "pior ladra da história". O que se alega não é isso, pelo menos não em fase de acusação. O que se alega é que ela fraudou suas contas e orçamentos através de operações ilegais, com o intuito de cobrir os problemas que caracterizariam sua improbidade administrativa.
Mas também não digo que a investigação e a acusação em curso contra o Presidente da Câmara (um político que eu odeio, pessoalmente) sirva de base para desqualificá-lo como tal. Do mesmo modo que só se pode desqualificar a Dilma do exercício das funções do seu cargo através do devido processo, o mesmo se diz de Cunha. Ambos foram democraticamente eleitos para seus respectivos cargos, e, por mais que pesem acusações sobre ambos, não pesam condenações. Não pode ser coerente usar a eleição para defender a Dilma e não usá-la para defender o Cunha.
Não digo que o fato de outros presidentes e governadores terem feito as pedaladas, desqualificam elas como crime de responsabilidade. E, no que pese, já existem pedidos de Impeachment contra o Pezão, governador do RJ, meu estado, apesar de por outros motivos.
Sou a favor da admissibilidade da denúncia contra ela pois, após a leitura (admito que um tanto quanto superficial, pela extensão do material e complexidade técnica do tema) da peça de acusação e da defesa apresentada, me parece que as questões legais merecem uma apreciação mais cuidadosa. Me parece razoável configurar a "pedalada" como crime de responsabilidade, pelo menos a princípio. Me parece legalmente justificável equiparar a natureza da obrigação com o banco público a uma obrigação de crédito. Não me parece uma atitude ilegal e golpista. E a própria defesa do AGU (que não me parece ser a pessoa própria para representar a Presidente, no âmbito de um processo pessoal contra a pessoa física dela, e não contra a pessoa jurídica da União), se contradiz de forma flagrante quanto a esse tema, ao basear toda sua argumentação em negar o caráter contratual das operações conduzidas pelo governo, e ao compará-las a um contrato poucos parágrafos depois.
E, uma vez que existe o crime de responsabilidade, o julgamento do Senado vai - e deve ir, de acordo com o que montou o legislador - muito além da questão meramente legal, que será julgada posteriormente por órgão técnico competente. Engloba uma série de processos políticos, que levam em conta, inclusive, a capacidade da presidente de articular o apoio do legislativo, coisa que ela nunca se mostrou apta a fazer, em nenhum momento dos dois mandatos. Justamente por isso o julgamento tem rito próprio, singular, sem a obrigação de respeitar muitas das garantias processuais e pessoais da acusada.
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"É isso mesmo! Estou levando a essência." |
E nenhum dos dois lados sabe dizer o que de fato constitui pedalada fiscal. Nenhum dos dois sabe que existem outras questões de mérito na acusação e na defesa, além da pedalada. E que, das pedaladas de fato, a única cabível de análise pela Câmara é uma de 2015, de menor valor, em relação a concessão de crédito rural.
As pessoas não sabem nem explicar quais são os argumentos legais de um lado e de outro para a caracterização ou não da pedalada como crime de responsabilidade.
Um lado clama contra a corrupção enquanto apoia corruptos, mas o outro clama pela legalidade e democracia, esquecendo-se, tanto de ler a lei, quanto de que elegeu os deputados corruptos que conduzem um processo constitucional, da mesma forma que elegeram a presidente, supostamente corrupta por fraudar e manipular as próprias contas.
No fim, ambos os lados creem estar mais esclarecidos que o outro, mas não se preocupam em se informar direito e em estudar. E ambos acusam o outro lado dos mesmos crimes que cometem. Os lados, como o texto que li, falam de democracia sem compreender do que se trata.
Vou até um pouco além e dizer que Democracia não precisa supor maturidade. Mal se pode dizer isso do tempo em si. E a nossa jovem Democracia não só ainda tem muita coisa para aprender, como ainda vai, tenho fé. Vou lembrar que a Dilma é apenas a 5ª presidente na história do país a ser eleita e completar um mandato. Note que disse a história do país, não dessa república. Isso é positivo? Talvez não. Mas já é um grande avanço, principalmente quando desconsideramos as reeleições, e lembramos que nunca tivemos mais de dois mandatos eleitos e completos seguidos, e, nas últimas décadas, tivemos 5.
Porém, democracia republicana não é respeitar a opinião de uma maioria que vota em eleição. Isso é ditadura da maioria, que pode e deve ser contestada através dos movimentos populares, como o fazem 99% dos movimentos sociais, principalmente os liderados pelos jovens. Poucas coisas melhor ilustram uma democracia republicana do que as casas legislativas eleitas, com representantes do povo, destituindo um líder individual também eleito, por sua improbidade. Justamente por isso é possível afirmar que vivemos numa República Democrática, e não em um estado autoritário.
É fácil demais apontar o dedo na cara de alguém e dizer que ele não pode fazer alguma coisa, porque “os fins não justificam os meios”. Difícil é parar para ouvir o que você mesmo diz, e saber reconhecer que você está partindo do mesmo princípio.
Reconhecer que, se eu quero a Dilma fora porque sou de direita, você a quer dentro porque é de esquerda. Ou que, por mais que você ache o governo dela desastroso, acha que governo que entrar (o do Temer, democraticamente eleito junto com ela, pelo mesmo eleitorado) será pior para o desenvolvimento social. Quando se pensa assim é fácil focar no argumento em si, e esquecer da parte que diz “você acha”. Muito menos focar na parte do “você”.
Porque, enquanto se clama defende a legalidade, não se apresenta um argumento legal para defender a presidente. Só se fala em argumentos morais para desqualificar aqueles que apoiam o impeachment. E, se isso não é justificar os meios pelos fins, você não pode acusar as outras pessoas de fazê-lo.
O que a Democracia pressupõe é justamente isso. Pressupõe que, independente dos fins, respeitem-se os meios. Essa é a maneira democrática de se alcançar um fim, seja ele qual for. E, no Brasil, ninguém mais sabe separar o que é meio e o que é fim, que dirá se preocupa em respeitar qualquer um dos dois.
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