A Warner não teve culhões

1.4.16



*-*-*-* SPOILER ALERT*-*-*-*
Nesse post irei falar sobre o filme Batman vs. Super-Homem. Não leia se não viu o filme. Você foi devidamente avisado.
*-*-*-* SPOILER ALERT*-*-*-*

Eu sei que tem um aviso no título e um outro aqui em cima, mas eu vou avisar novamente. Neste post tratarei do recém-lançado filme Batman vs. Superman - A Origem da Justiça. Se você não viu o filme, não siga lendo, por favor. Se você não viu nem os trailers, saia correndo. Vai no cinema e vê o filme (não veja os trailers!). E, se mesmo com todos os avisos, você continua aqui, provavelmente gosta de spoilers e eu me reservo ao direito de te julgar por isso. Sinta-se a vontade, aproveite o texto, e não ligue para minha opinião, porque eu não sou ninguém, mas eu acho que gostar de spoiler está errado e ponto.

Agora ao filme:

Nota no IMDb: 7.4 (191.536 votos) / Minha nota: 7

Eu postei um resumo da minha review no site do Tostada, deixando bem claro a minha opinião sobre o filme. Aqui, vou mergulhar um pouco mais fundo, em pontos que não tive espaço para mergulhar lá, e, inclusive, dizendo exatamente o que eu esperava do filme — e o que esse filme poderia ter sido.

Em termos gerais, esse filme é ótimo para explorarmos o motivo desse site existir. Isso porque, para mim, Batman vs. Super-Homem foi o exemplo perfeito de como falhas no modo com a história é contada podem estragar uma história com grande conteúdo. Prepare-se. Temos muito o que conversar.

Vamos em ordem cronológica.
O primeiro grande defeito desse filme foi a sua campanha de marketing. Como eu disse na minha review ela pareceu não reconhecer o valor maior do título: os dois maiores personagens da história.




Se você coloca o seu título como "Batman vs. Super-Homem", você não precisa ir muito mais além. O mundo já pira o suficiente, e a hype já ganha proporções bem consideráveis. Acredito que esse título é, por exemplo, maior do que "Liga da Justiça", ou "Os Vingadores". Parem para pensar: antes dessa era de super-heróis no cinema todo ano, lá, há quase vinte anos, Batman e Super-Homem eram os maiores nomes da DC, enquanto a Marvel tinha o Homem-Aranha e variava entre os X-Men (com o Wolverine) e os Vingadores. O que hoje é o Homem de Ferro, por exemplo, foi construído pelo cinema recente.

Mas, o pessoal de marketing da Warner achou que precisava de mais. Achavam que aquilo em si não atrairia as pessoas; que precisavam contar ao espectador exatamente o que ele iria ver. Só que aqui todo mundo já sabia o que iria encontrar no cinema. E o que não sabiam, teria ficado gratos em descobrir lá. Todo mundo iria ver, de qualquer jeito. Até a senhora do “Elder Reacts” sabia disso.

Só que o marketing ficou com medo da resposta negativa dos fãs às surpresas que o filme tinha preparado, e acabou estragando todas elas. Mais da metade das grandes falas e frases de efeito estavam no trailer. Boa parte da luta entre os dois protagonistas estava no trailer. Parando para pensar, a cena mais marcante da luta que não estava no trailer foi o Batman esmurrando a cara do Clark até que ele se recuperasse e parasse de virar a cara (linda cena, por sinal). Enquanto isso, uma cena especial que perdeu efeito por causa do trailer foi a do Batman parando o soco do Super-Homem. 



Isso sem contar que um dos trailers, o segundo, especificamente, revelou toda a estrutura narrativa do filme. Revelou o primeiro arco onde Clark e Bruce se conhecem e são manipulados por Lex, o segundo, onde os heróis se enfrentam por causa da interferência do mesmo Lex, e o terceiro, onde eles fazem as pazes e vão lutar contra o Apocalipse. 

Para mim isso mostra falta de confiança da Warner no material que eles tem na mão. Faltou um bom par de culhões mesmo. Espero que a recepção crítica abaixo do esperado não os desanime o suficiente para largar os planos que já estão sendo preparados.

E aqui temos um grande exemplo daquilo que disse que “gostar de spoiler é errado”. Uma boa história deve saber trabalhar com expectativa e revelação. Ela deve saber construir expectativa — com o título bem escolhido, trailer bem preparado, sinopses bem pensadas, etc. — , e saber como lidar com essa expectativa que ela mesma criou. O momento da revelação é importante, porque ele vai determinar como você vai transformar expectativa em reação. E um bom autor sabe que escolher o momento certo faz diferença. E a pessoa que gosta de spoiler ignora esse trabalho do autor.

Agora à história em si.

Esse filme tem problemas graves de estrutura narrativa, e de falta de tempo e espaço para desenvolver muitos arcos de trama.

Em termos de estrutura, como o próprio trailer nos mostrou, existem três atos neste filme (como em 99% dos filmes): O ato em que Clark e Bruce se conhecem e descobrem as suas diferenças ideológicas. O ato em que Lex Luthor manipula os dois para brigarem. O ato em que eles fazem as pazes e Lex Luthor libera o Apocalipse para matar os dois.

Só que, em 2 horas e meia de filme, uma hora e meia é gasta no primeiro ato, em temos meia hora para os outros dois.

O que isso significa? Em um filme de 2 horas e meia intitulado "Batman vs. Super-Homem", temos apenas uma única sequência, de apenas alguns minutos, de luta entre os dois, de fato. E mais, a luta não é provocada pelas diferenças ideológicas, mas sim por uma manipulação barata de Lex Luthor, que foi capaz de, sem maiores explicações, manipular e enganar o Batman, um dos mais famosos DETETIVES dos quadrinhos.

Além disso, bastava o Clark dizer para o Bruce porque estava lá. Bastava ele explicar que o Lex vinha manipulando os dois e que tinha sequestrado sua mãe. Era só o que bastava, e não haveria motivos para luta. E você pode dizer que ele tentou dizer e o Batman não deixou, mas ele é o Super-Homem, e, naquela hora, o Batman ainda não tinha usado a Kryptonita. Ele não “tenta”, ele faz.

“#QuemvaiVencer?” Batman. O Batman venceu.

Isso significa que a motivação por trás da luta era frágil, e boba, até. Assim como ficou sem peso o momento em que, por simplesmente ouvir o nome da sua mãe, Bruce esquece todas as suas diferenças ideológicas com Clark. O filme não dá nenhuma outra explicação para a súbita amizade entre os dois maiores super-heróis da DC, do que "nossas mães eram xarás".

Agora focando no que eu achei que foi a pior parte do filme... Como desperdiçar um dos mais icônicos vilões do universo DC? Fazendo exatamente o que fizeram com o Lex Luthor. E o meu problema não foi nem com a imagem de “Zuckeberg” ou de “Coringa” que ele passou.

Disseram que ele era foda e inteligente. Ele armou o mundo contra o super-homem quando planejou a emboscada no deserto, e depois explodiu o congresso americano, mostrando que o super-homem não conseguia salvar todos. Só que isso não foi mostrado no filme, né?

Temos no máximo duas cenas que ligam de maneira eficiente a genialidade e pura maldade de Luthor a esses dois atos, que se perdem em meio a um turbilhão de outras coisas no filme, tudo no primeiro arco. Até as frases de efeito dele já não tem mais efeito, porque ouvimos todas elas nos trailers.

Sem contar que, e aqui é o pecado maior, ele ganha acesso à nave kryptoniana e aos arquivos de Krypton, e toda a sabedoria de milhares de anos e mundos. No início do filme!

Ali, naquele momento, metade de Lex Luthor morreu, sem ser explorada. Isso porque, se ele ganhou acesso a tamanha informação e conhecimento, ele pirou. Ele já vinha sendo mostrado como ligeiramente maluco, mas ali ele pirou de vez (com razão, por sinal. Qualquer um ali teria pirado. Isso não é novidade quando um humano tem acesso ao conhecimento de Krypton. É algo ligeiramente recorrente no mundo do Super-Homem).
 
"As capas vermelhas estão vindo"

A partir de então, tudo o que ele faz pode ser relacionado àquele momento, e não a sua genialidade e maldade intrínseca.

Ele cria o Apocalipse, porque quer matar o Super-Homem e chamar o Darkside. E a única coisa que não vem dos efeitos na nave naquele momento é o seu ódio pelo Super-homem. E, depois, ele fica gritando "ding, ding, ding, ding, ding". Eles terminam raspando a cabeça do Lex, como se ele estivesse se tornando quem sempre conhecemos. Mas, naquele momento, ele já morreu há mais de uma hora de filme.

Em contraponto, o que foi a Mulher Maravilha?! Gadot ficou bem com o uniforme, e eu não me incomodei com sua presença misteriosa no restante do filme. E seria bem legal se não soubéssemos quem ela era até aparecer lutando, mas compreendo a campanha de marketing nos dar essa informação. Ajudou a hype do filme e não estragou a sua participação. O momento mais legal do filme foi ela chegando para salvar o Batman. E não falo só por mim. Nas duas vezes em que assisti ao filme, esse foi o único momento em que a plateia vibrou, de verdade.



Um outro ponto importante que merece elogios e reconhecimento: Ben Affleck fez um dos melhores Batmans do cinema. Ele foi prejudicado pela trama — Batman é um detetive muito inteligente e deveria ser difícil manipulá-lo —, mas a sua atuação foi quase perfeita. E Jeremy Irons também funcionou muito bem de Alfred — pena que todas as suas frases de efeito estavam no trailer. O núcleo Batman do filme funcionou, e eu gostaria de ver outros filmes deles.

As notícias dizem que Affleck já demonstrou vontade de atuar como roteirista nos filmes solos do Batman. Ele tem um Oscar como roteirista, mas é preciso mais do que saber escrever para fazer um bom filme do Batman. É preciso saber escrever bem o Batman. Vamos ver no que vai dar. Fico na torcida.




Em compensação, a apresentação da Liga da Justiça ficou como um easter egg. Completamente descartável e desnecessário. O tipo de coisa que ficaria muito legal numa cena pós-crédito, ou no fim do filme. Mas ela aconteceu no meio da ação entre os dois atos finais, e ficou completamente deslocada, além de quebrar o clima de ação e não construir o clima de expectativa. Basicamente, Lex Luthor juntou a Liga, e o Batman e a Mulher Maravilha descobriram isso hackeando a conta do youtube dele.

O Flash aparecendo para o Bruce em seus momentos de premonição, porém, foi uma ótima cena. Ela ainda precisa ser explicada, já que o Batman nunca foi profeta, mas a cena em si funcionou bem e há espaço para deixar isso sem explicação até momentos posteriores. Além de construir expectativas sobre as linhas narrativas que o Universo DC irá explorar no futuro — Super-Homem vilão? Morte de Lois? Será que ele chegou muito cedo? Darkside domina o mundo?
 
Esse é o Flash mesmo, não o arqueiro verde.

Por último, o final do filme. Essa sim foi uma surpresa, e uma que não foi (tão) estragada pelo marketing. Uma que muitos fãs torciam para ver um dia no cinema e que surpreenderia quem não é fã. Tenho quase certeza de que o diretor e a Warner achavam que esse final deixaria as pessoas apaixonadas pelo filme. Mas não deu certo. Por quê?

A morte do Super-Homem é um clássico nos quadrinhos, e o Apocalipse foi o primeiro a conseguir matá-lo. O funeral, com os membros da Liga da Justiça, é de chorar. Mas não foi no filme. Isso porque tivemos um filme fraco do Super-Homem há três anos atrás, e um filme atual que não consegue desenvolver nada do que tenta montar. Um filme que foi divertido e que fez o tempo passar, mas que não trouxe nenhum tipo de investimento emocional ao público.

Nós ainda não ligamos tanto para esse Clark Kent, porque os seus conflitos não foram explorados direito. Nem o Bruce consegue ligar para ele ainda. Muito menos a Diana, que mal trocou palavras com ele.

Nenhum dos personagens foram bem apresentados, e nenhum dos relacionamentos tiveram tempo e espaço para serem construídos. Ninguém teve tempo de qualidade na tela para fazer com que um momento tão impactante de fato atingisse o público com todo seu poder. E, o resultado foi que todos ficaram esperando o momento em que ele iria voltar a vida, em vez de chorar a sua morte.

E, para botar a cereja no bolo, a Warner nem teve coragem de deixar a sua volta para o final do próximo filme, e já mostrou que isso vai acontecer com a última cena. Não houve espaço para dúvida, ou surpresa. Mais uma vez, uma tremenda falta de culhões.


O paralelo entre os dois funerais do filme ficou legal, mas ter o caixão do Super-Homem sendo carregado por Batman e Mulher Maravilha em seus uniformes seria épico. Se importar com o Super-homem seria essencial. E entender como os outros que estão ali se importam, também. Nada disso foi construído pela DC ainda. O que faz de um momento épico ter se tornado um momento descartável. E outro enorme desperdício.



Em termos gerais, o filme tinha história para ser incrível, e foi meramente ok. E só foi ok por que, apesar de tudo o que eu disse, ele ainda foi um filme de alto orçamento, com bons atores, efeitos especiais e lutas visualmente bonitas. Você não precisa fazer nada especial para que isso dê minimamente certo.

Você não precisa de coragem, nem de confiança. Só precisa fazer o básico. Mas, pensando em um universo da DC e em uma construção que possa rivalizar com a Marvel, você precisa ir muito além do básico. Precisa ousar, precisa confiar, e planejar cada filme com cuidado, deixando que eles funcionem sozinhos e ocupem um espaço próprio na constelação que está sendo montada. E, para isso, você precisa ter culhões.

O filme vende um conflito entre dois símbolos da justiça. Entre dois pilares do mundo dos super-heróis, e entre duas fortes personalidades opostas. Mas, na verdade, enquanto esperávamos ver Batman vs Super-Homem, com uma pitada de Liga da Justiça, vimos uma confusão mal explicada sobre a Liga da Justiça, com uma pitada de Batman vs. Super-Homem.




Para finalizar minha review, gostaria de ilustrar o meu ponto, e propor algo que poderia amenizar as críticas que fiz. Mostrar que a DC poderia ter feito melhor, e que não é preciso ser um gênio para isso. E também para não me limitar a críticas secas, mas oferecer algo novo que poderia ter solucionado o problema. Isso é o que eu acho que deveria ter sido feito:

Existem dentro da trama deste filme único de 2h:30min, material para, no mínimo, 2 filmes. Isso porquê há cerca de 5 arcos diferentes sendo contados. Me acompanhem:

1 - Arco do super-homem, tocado pela pergunta "O mundo precisa de um Super-Homem?";
2 - Arco do Batman, sendo apresentado e saindo do seu papel de cavalheiro das trevas para um ser raivoso e cruel;
3 - Arco do Batman vs. Super-Homem, onde os dois personagens enfrentam suas diferenças ideológicas e brigam mesmo;
4 - Arco do Lex Luthor, onde vemos o ódio de Lex desenvolvido não apenas por Clark, mas também por Bruce Wayne, e buscando o conhecimento de Krypton; e
5 - Um Arco de introdução à Liga da Justiça, onde temos a introdução mistérios da Mulher Maravilha e as cenas de apresentação do Flash, Aquaman e Cyborg.

Não irei tão longe quanto dizer que deveriam ter feito cinco filmes com esse material, mas um filme tem normalmente três atos de desenvolvimento, e, de todos esses arcos, nenhum ganhou o tempo e o espaço que mereciam para se desenvolver.

Pensem comigo: Imaginem uma sequência de Homem de Aço, com a participação especial do Batman. Um filme onde poderíamos desenvolver os arcos 1 (do Super-Homem) e 4 (do Lex Luthor), e introduzir no final o início do arco 2 (Batman). Um filme em que vemos Lex Luthor cruzando todas as linhas imagináveis para manipular o povo e o governo contra o Super-Homem, enquanto vasculha o mundo reunindo kryptonita. Enquanto isso, Bruce o segue na surdina dando dicas de suas raivas e motivações.

"Falso Deus"

O filme poderia terminar com a revelação do Batman, e Lex percebendo que não poderia vencer o Homem de Aço, mas talvez o Batman possa.

Então teríamos um segundo filme, desenvolvendo o arco 2 (Batman) e dando espaço para o 3 (Batman vs. Super-Homem) e o 5 (Liga da Justiça). Um em que Lex joga Clark e Bruce um contra o outro, enquanto busca o conhecimento para criar o Apocalipse, como fez no segundo ato deste filme. Teríamos tempo para fazer mais do que uma sequência única de luta entre os dois heróis, e justificar o título. Teríamos tempo para chamar a atenção para a Mulher Maravilha, e de ver o Flash voltando do futuro.

E, no fim, poderíamos ver Lex soltando o Apocalipse no mundo, matando o Super-Homem, e dando início à Liga. Teríamos tempo para desenvolver a relação do mundo com o Super-Homem, desenvolver a relação do Batman com o Super-Homem. Desenvolver a ideia de Liga da Justiça. Teríamos mais de 2 horas e meia para montar algo que possa rivalizar com o universo cinematográfico da Marvel de dezenas de filmes.

Não sou cineasta, nem roteirista, mas em termos de trama e história, acho que isso teria criado muito mais impacto do que esse filme que foi lançado. E eu nem inovei. Não botei aqui nenhum elemento novo. Só reorganizei os elementos que eles mesmos escolheram.

O problema é que levaria mais tempo, pediria mais investimento, e sempre existe o risco de a Marvel cansar o público com filmes de super-heróis. Como se a DC tivesse o mesmo tom que a Marvel, ou fosse incapaz de inovar nesse mercado do cinema. Como se a DC não tivesse culhões...

Shame on you, Warner! Shame on you...





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