Aplausos Estrondosos

5.3.16




Assim fica difícil, Brasil.

Até o fim da tarde de ontem, me obriguei a me afastar das notícias o tanto quanto possível. Compareci às minhas aulas, fiz o meu trabalho, comi, assisti séries de TV e até joguei video-game. Eu sabia o que estava acontecendo, óbvio. Por isso mesmo me afastei. O frenesi que a Globo mídia deveria estar vivendo apenas me deixaria cheio de raiva, e eu preferi deixar tudo se ajeitar e as informações chegarem. Preferi deixar o dia se aproximar do fim, e os jornalistas terem tempo de aprenderem do que eles estavam falando durante o dia inteiro.

Funcionou. O frenesi não diminuiu e os jornalistas não foram mais responsáveis, mas pelo menos havia mais informação alí. Pelo menos podia-se tentar entender alguma coisa. E aqui está o que eu entendi:


  • O Lula foi obrigado a prestar depoimento para a Polícia Federal por causa de uma medida coercitiva do Juiz Sérgio Moro.


  • A condução coercitiva é uma medida usada normalmente contra testemunhas que se recusam a depor. Ela é uma medida a ser utilizada após a intimação da testemunha e o não cumprimento da ordem judicial, sem justificativa cabível. Ele serve única e exclusivamente para conduzir uma pessoa a força para prestar depoimento, imediatamente. Desse modo, Lula não corria risco, em momento nenhum, de ser preso. 

  • Muita gente não estudou direito e não sabia disso. Logo, teve gente que achou que o Lula tinha sido preso, e correu pra rua para fazer manifestação contra ou a favor da suposta prisão. Essas pessoas começaram a brigar entre si. Essas mesmas pessoas descobriram que ele não tinha sido preso hora nenhuma, e nem seria preso hoje. Essas mesmas pessoas provavelmente perceberam que brigaram a toa, mas, se parassem de brigar imediatamente, pareceriam idiotas. Essas pessoas adaptaram seus discursos, gritaram umas com as outras durante a maior parte do dia, depois foram para suas casas.
"Eu não sei sobre o que estamos gritando!"

  • A medida de condução coercitiva não apenas foi utilizada indevidamente, pela falta dos seus pré-requisitos legais, mas também foi usada de maneira ineficiente. Isso porque, se o objetivo é forçar uma pessoa a prestar depoimento, ela não tem força contra o acusado do crime objeto da investigação (nesse caso, o Lula). Isso porque a nossa constituição prevê o direito de não produzir prova contra si mesmo. Lula poderia muito bem ter sentado em frente ao delegado da PF e dizer que não gostaria de responder a nenhuma pergunta, exercendo seu direito de permanecer em silêncio. Logo, tudo o que ele falou hoje, ele estava preparado para dizer.

  • Um partido político supostamente neutro decide fazer parte da oposição depois de um golpe sem tamanho para o governo. Não se tem notícia se tal partido tinha conhecimento que o Lula não fez nada que não estivesse disposto a fazer, hoje.

  • Enquanto todos perdiam a cabeça com o depoimento vazio do ex-presidente, a Policia Federal fazia buscas (legais e justificáveis, vale dizer) em vários imóveis e levava outras pessoas a prestar depoimento sob a base da força (isso sim, de maneira ilegal).

  • A Presidente da República marcou um pronunciamento para as 17h e resolveu praticamente ignorar os eventos do dia, focando no vazamento da delação premiada ocorrido ontem. Disse uma frase apoiando Lula, e depois voltou a falar sobre como ela não sabia e continua sem saber de nada de coisa nenhuma.


  • Lula, por sua vez, praticamente prometeu voltar a concorrer à presidencia em 2018, se a sua saúde assim permitir. Além disso, prometeu voltar a rodar o país imediatamente, para fazer comícios e tentar reacender a chama que ele não conseguiu ensinar a Dilma como manter. No final de tudo, comparou ele e o PT com uma serpente venenosa, e todo mundo achou que isso era uma coisa legal.


"O que veneno de cobra faz com o sangue"

  • A Globo sabia do que ia acontecer antes de todo mundo. Seguiram a Presidente Dilma na sua pedalada matinal antes mesmo que ela soubesse o que estava acontecendo. Estavam lá com a PF e tinham especialistas prontos para responder perguntas desde o início. E aqueles que não respondiam o que eles queriam ou se recusavam a seguir as instruções intrínsecas das entrevistadoras eram logo cortados e substituídos, como de costume. O bom e velho jornalismo de ponta, com uma pitada de manipulação.

  • A internet foi a loucura, como sempre, fazendo piadas e falando absurdos. Quem defende o PT resolveu atacar Aécio e Cunha, relembrando que o Presidente da Câmara é o mais recente réu de uma ação penal no STF - também pelo lava-jato -, além de desenterrar todos os mesmo supostos escandalos fechados do presidente do PSDB - e não se esqueçam das acusações de golpe antidemocrático e das teorias da conspiração. Quem é contra o PT resolveu bater palmas e panelas, comemorando um depoimento vazio do ex-presidente como um título de copa do mundo, muitos ainda tentando entender porque o Lula não foi preso. E, como não podia faltar, sobrou para Globo, que supostamente teria dado muito mais atenção ao caso do Lula do que deveria, considerando tantas outras falcatruas que estão acontecendo com uma relevância maior. Adoro essas brigas de internet...




  •  O mercado internacional, por sua vez, reagiu positivamente, o cambio melhorou, a bolsa cresceu e o mundo falou em alto e bom som que não quer a Dilma no poder e que sem ela e o PT, estariamos numa situação menos complicada economicamente.

O que eu acho disso tudo? Muita coisa. De que lado eu estou? Nenhum. Quem eu estou defendendo? Não sei. Provavelmente ninguém. Por quê?

A última coisa que eu espero das pessoas que fazem parte desse processo complexo que é a política e a operação lava-jato, é que elas sejam bobas. O juiz Moro sabia muito bem que as conduções coercitivas eram ilegais, mas sabia que dos depoimentos em si, muito pouco de útil sairia. Ele sabia que os envolvidos poderiam simplesmente não responder às perguntas. Lula podia simplesmente brincar de imitar a Gloria Pires no Oscar, e tudo ficaria bem. Mas, ainda assim, assinou as ordens e elas foram cumpridas.



Provavelmente para pegar o ex-presidente de surpresa, não lhe dar tempo de destruir provas e facilitar a busca e apreensão que ocorreu enquanto ele prestava depoimento. Não lhe dar chance de organizar o discurso com os outros envolvidos. Mas, mais do que isso, não deixar o presidente organizar a militância popular a seu redor, para se proteger.

Isso foi abertamente defendido pelos procuradores envolvidos. Na verdade, essa foi a justificativa ofícial da ordem assinada pelo juiz Sérgio Moro. Uma medida "de segurança", de acordo com ele. Uma medida feita para afastar a manifestação popular do processo. Só que, se numa democracia, todo poder vem do povo (artigo 1 da Constituição de 88), afastar o povo pode sim ser considerado antidemocrático, principalmente quando isso é feito de forma proposital e ilegal. Essa justificativa dos procuradores é mais incriminadora do que qualquer coisa que o Lula falou hoje.

Enquanto isso, o depoimento do ex-presidente serviu para desestabilizar emocionalmente os membros do governo e forçar Lula a retomar a dianteira de uma luta que ele mesmo achava estar velho demais para lutar. Ele sabe que não é o melhor homem para o cargo, mas teme perder o poder se não se candidatar. Afinal, o PT já se recusou a reconhecer a crise quando podia fazer alguma coisa a respeito, antes da eleição, mas escolheu se manter no poder. Depois de fuder o país para ficar no topo, não vão descer assim, tão facilmente.

"Eu tô velho demais para essa merda."
Em termos, considerando os eventos dessa semana, tudo parece ser um contra-ataque ao posicionamento do STF em relação ao Cunha, figura forte da oposição. Parte de mim fica pensando que, talvez, todos os políticos finalmente cumpram suas promessas: "Se eu cair, levo todo mundo comigo". Estando as forças ligadas a Cunha envolvidas ou não nessa suposta retaliação, pode ser muito benéfico para a política brasileira que todo mundo seja levado mesmo.

Falando dessa galera, todo mundo adorou ver o Lula sentindo-se prisioneiro, e bateram palmas. Estão até se lamentando que, infelizmente, o nove dedos ainda não foi preso. Afinal, ele é culpado de véspera, e pouco importa se a condução coercitiva foi ilegal. O que importa é derrubar ele. Afinal, ele e o PT fazem de tudo para se manter no poder, e não se importam se as medidas que tomam para isso são ilegais. E isso é uma atitude absurda e inaceitável...


Estamos vendo todos os dias nossas garantias e liberdades sendo ignoradas, pelo governo, pela oposição, pelo legislativo e pelo judiciário. Até pelo STF. E todos eles botam a culpa na população, e na pressão popular por justiça. E eles não estão de todo errados. Nossas garantias e liberdades estão gravadas na nossa constituiçao e não podem ser desrespeitadas pela vontade de nenhuma força política. Elas são nossas, do povo, e só o povo pode destruí-las. Afinal, todo o poder deriva do povo.


"Então é assim que morre a liberdade, com aplausos estrondosos."

Não deveria ser nenhuma surpresa que a liberdade morra com apalusos estrondosos. Os aplausos estrondosos são o único meio de matar a liberdade.

O que nos traz a nossa Globo mídia. Não é de hoje que ela é dissimulada e descompromissada com a verdade. Não é de hoje que eu alerto para isso. 

E, nesse momento, é que sentimos falta de uma mídia forte, diversificada. O monopólio da Globo faz com que ela pareça um demônio por fazer o que todos, infelizmente, fazemos: escolher um lado. Entenda, o problema não é a Globo tomar partido contra o governo e dar um enfoque desnecessário ao que o prejudica. Nem o fato dela preferir dar menos atenção às notícias que enfraquecem a posição que ela defende.

O problema é que não tem ninguém com capacidade de fazer frente a ela do lado oposto. E, assim, nossa visão fica prejudicada por ser apresentada sempre pela mesma antiga perspectiva, que já está repetitiva e cansativa.

Aí os manifestantes do lado que a Globo não apoia resolvem agredir jornalistas que cobrem os eventos. Um ato que só pode ser interpretado como uma afronta a liberdade de expressão e de imprensa, e um golpe contra o direito do povo de receber informação. (Vale dizer, por sinal, que o Juiz Moro também determinou que seria proibido a filmagem da operação, de modo que os manifestantes a favor do Lula, nesse caso, ajudaram no cumprimento da ordem de condução coercitiva do ex-presidente. Não que eles soubessem disso, obviamente). Mas, afinal, seus lideres do governo fazem de tudo para manter o poder, eles devem fazer também, certo? Se não que tipo de militância eles seram?  Seriam meros cidadãos comuns, livres para tomar suas próprias decisões de acordo com um senso moral individual. E um desses da muito trabalho de manter... Nhé... é mais fácil bater panela.

Será que bater panelas pode ser considerado um jeito de bater de palmas mais alto?
No final, o que eu entendi mesmo é que hoje não foi um dia histórico. Na verdade, foi apenas mais um dia. Um dia no Brasil, cheio de brasileiros. Aquele povo que deu golpe pra ficar independente, golpe pra virar República, golpe pra deixar de ser República, golpe para botar militares no poder e golpe para voltar a ser República. O país em que o povo se orgulha de dar jeitinhos de burlar qualquer regra. O país do malandro, de quem arruma um jeito de sempre sair por cima. E que elege, obviamente, malandros, que sempre arrumam um jeito de sair por cima.

Somos o país em que a oposição é tão corrupta quanto a situação, que são, por suas respectivas vezes, tão corruptas quanto seus eleitores. Os mesmos que lutam contra a corrupção, ao mesmo tempo em que instalam um gato da Light. Os mesmos que dizem ir contra a elite econômica, apoiando candidatos que são financiados por elas. Os mesmos que aplaudem quando atropelam as leis que não lhes convém, independe do seu lado do espectro político. Que tentam justificar o injustificável, e que escolhem seus lados sem ter como se informar sobre suas escolhas.

Nós somos aqueles que não conseguem ficar calados, mas que tem medo de dizer que não estão mais entendendo. Aqueles que não aguentam o silêncio desconfortável, mas que tem preguiça demias para levantar e ir embora. Por isso ficamos, e falamos besteira daquilo que não sabemos. Preferimos aplaudir alguma coisa, qualquer coisa... 

Nem que seja a morte da nossa liberdade.

"Imperador Palpatine aprova"

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