Somos todos iniciantes

17.4.16



Hoje é um dia histórico, não importa o que aconteça. Um dos dias mais importantes na história recente deste país. Não é à toa que os ânimos estão exaltados, e o clima é de tensão. Discute-se dos dois lados, e muito se diz. Como de costume, venho aqui apresentar o meu ponto de vista. Mais do que isso, venho aqui pensando no jeito como as coisas vem sendo ditas. 

Para mim, todos tem direito a dizer o que quiserem. Me preocupo muito mais com o caminho pelo qual a pessoa chega à sua conclusão do que com a conclusão em si. Porque somente com um caminho bem construído, com uma linha de raciocínio coerente e com argumentos relevantes e bem organizados, me parece razoável falarmos em opiniões sérias, independentemente de quais opiniões elas sejam, ou como eu me posicione diante delas.

É a ideia de que é o seu argumento que valida sua conclusão, e não a sua conclusão que valida o seu argumento. Ou, em termos mais gerais, os seus meios justificam os fins, e não os fins justificam os meios.


Chamou a atenção porque me foi recomendado por pessoas que gosto, e que sempre me soaram inteligentes e sensatas. E porque era bem escrito, atrativo e parecia fluir bem. O problema é que, em grande parte, o argumento que ele apresentava morria em si mesmo, invalidando qualquer conclusão alcançada. Pois, enquanto o título e a ideia giravam em torno de pessoas que justificam os meios pelos fins, e como elas estavam erradas em fazê-lo, o próprio texto fazia a mesma coisa.

Me pareceu muito ilustrativo da situação real da consciência política do povo. Dizia que as pessoas querem tirar a Dilma por muitos outros motivos, todos pessoais e de opinião, mas que não podiam dizer que o fariam por causa da luta contra a corrupção. Que "se vocês quisessem tirar a Dilma do poder por causa da corrupção, bradariam que seu processo de afastamento está sendo comandado por um réu investigado há décadas; teriam outras prioridades em termos de afastamento do congresso e do governo."

Até ai, eu concordo.



Eu não quero tirar a Dilma do poder meramente por causa da corrupção. Quero sim tirá-la do poder por causa da crise econômica (da qual a subida do Dólar é consequência). Quero tirá-la do governo porque ele foi e vem sendo mesmo desastroso. Quero tirá-la do governo porque sou de direita. Quero tirá-la do governo pois ela venceu uma eleição com uma minúscula vantagem de votos, e uma margem de representatividade pequena. Uma margem de representatividade que não me parece mais existir. Que, apesar da pequena vantagem na urna, ela sofreu com graves perdas de apoio político do legislativo, que, por sinal, também foi tão democraticamente eleito quanto ela, e, portanto, tem a mesma legitimidade. Quero tirá-la através do processo de Impeachment justamente pois reconheço que ela venceu nas urnas e está legalmente empossada. Se fosse diferente, defendia a tesa da Rede, com o processo correndo no TSE, pedindo não a destituição da presidente, mas sim a cassação do seu mandato. Impeachment não é revolta contra a eleição, é reconhecer que o panorama mudou drasticamente desde então, e que ela não mais representa a vontade do povo. Justamente por isso é o Congresso quem juga, e não o STF. E justamente por isso a única consequência legal imposta à acusada é o afastamento do cargo e da vida política. Questões penais e civis, que atentam mais contra a pessoa do que contra o cargo, serão decididas depois, por julgamentos mais técnicos e apolíticos.

Não sou a favor da admissibilidade da denúncia pela câmara porque ela "roubou" ou porque ela é a "pior ladra da história". O que se alega não é isso, pelo menos não em fase de acusação. O que se alega é que ela fraudou suas contas e orçamentos através de operações ilegais, com o intuito de cobrir os problemas que caracterizariam sua improbidade administrativa.

Mas também não digo que a investigação e a acusação em curso contra o Presidente da Câmara (um político que eu odeio, pessoalmente) sirva de base para desqualificá-lo como tal. Do mesmo modo que só se pode desqualificar a Dilma do exercício das funções do seu cargo através do devido processo, o mesmo se diz de Cunha. Ambos foram democraticamente eleitos para seus respectivos cargos, e, por mais que pesem acusações sobre ambos, não pesam condenações. Não pode ser coerente usar a eleição para defender a Dilma e não usá-la para defender o Cunha.

Não digo que o fato de outros presidentes e governadores terem feito as pedaladas, desqualificam elas como crime de responsabilidade. E, no que pese, já existem pedidos de Impeachment contra o Pezão, governador do RJ, meu estado, apesar de por outros motivos.

Sou a favor da admissibilidade da denúncia contra ela pois, após a leitura (admito que um tanto quanto superficial, pela extensão do material e complexidade técnica do tema) da peça de acusação e da defesa apresentada, me parece que as questões legais merecem uma apreciação mais cuidadosa. Me parece razoável configurar a "pedalada" como crime de responsabilidade, pelo menos a princípio. Me parece legalmente justificável equiparar a natureza da obrigação com o banco público a uma obrigação de crédito. Não me parece uma atitude ilegal e golpista. E a própria defesa do AGU (que não me parece ser a pessoa própria para representar a Presidente, no âmbito de um processo pessoal contra a pessoa física dela, e não contra a pessoa jurídica da União), se contradiz de forma flagrante quanto a esse tema, ao basear toda sua argumentação em negar o caráter contratual das operações conduzidas pelo governo, e ao compará-las a um contrato poucos parágrafos depois.

E, uma vez que existe o crime de responsabilidade, o julgamento do Senado vai - e deve ir, de acordo com o que montou o legislador - muito além da questão meramente legal, que será julgada posteriormente por órgão técnico competente. Engloba uma série de processos políticos, que levam em conta, inclusive, a capacidade da presidente de articular o apoio do legislativo, coisa que ela nunca se mostrou apta a fazer, em nenhum momento dos dois mandatos. Justamente por isso o julgamento tem rito próprio, singular, sem a obrigação de respeitar muitas das garantias processuais e pessoais da acusada.

O texto, então, clama para que olhemos para a essência das coisas.

"É isso mesmo! Estou levando a essência."


Ele reclama que "Quando você se aproveita e é conivente com um processo biruta, incoerente, que ameaça a democracia e golpeia a população porque isso é interessante prós seus gostos e você ficaria feliz com o afastamento de quem você não gosta, isso é um problema. (...) Como deixar de pensar que 'vou concordar com esse impeachment mesmo ele sendo golpe porque se no final a Dilma cair eu fico feliz de qualquer forma' é diferente de 'vou cortar todo mundo pelo acostamento mesmo sendo errado porque no final eu consigo chegar mais rápido em casa'? O princípio é o mesmo: os fins justificam os meios"

Nessa hora, Maquiavel já estava se contorcendo no túmulo.

O que mais me incomoda, de verdade, é ver tanta gente dando opinião sem se preocupar com a coerência do argumento. Gente que diz que o processo é biruta, incoerente e ilegal, mas não estudou nem o processo e nem a lei.

Os dois lados falam que são contra a corrupção. É fácil defender isso. Difícil é entender porque, enquanto um lado aplaude o discurso favorável ao impeachment do Roberto Jefferson, condenado no mensalão e recém beneficiado pelo indulto presidencial, e, assim, perdoado pela Justiça, o outro defende a Presidente que concedeu esse indulto em primeiro momento.

E nenhum dos dois lados sabe dizer o que de fato constitui pedalada fiscal. Nenhum dos dois sabe que existem outras questões de mérito na acusação e na defesa, além da pedalada. E que, das pedaladas de fato, a única cabível de análise pela Câmara é uma de 2015, de menor valor, em relação a concessão de crédito rural. 

Mal sabem que as pedaladas enormes de 2013 e 2014  em níveis nunca praticados por nenhum presidente anterior, e  nos momentos decisivos para o processo eleitoral, que foi vencido por uma mínima margem, talvez até por causa dessas pedaladas  foram excluídas da denúncia pelo próprio Eduardo Cunha, por causa de uma imperícia legislativa constituinte e pelo fato de o próprio congresso também poder ser responsabilizado por elas, mesmo que configurassem muito mais claramente o que se quer alegar sobre a pedalada mais recente.

As pessoas não sabem nem explicar quais são os argumentos legais de um lado e de outro para a caracterização ou não da pedalada como crime de responsabilidade.

Um lado clama contra a corrupção enquanto apoia corruptos, mas o outro clama pela legalidade e democracia, esquecendo-se, tanto de ler a lei, quanto de que elegeu os deputados corruptos que conduzem um processo constitucional, da mesma forma que elegeram a presidente, supostamente corrupta por fraudar e manipular as próprias contas. 

No fim, ambos os lados creem estar mais esclarecidos que o outro, mas não se preocupam em se informar direito e em estudar. E ambos acusam o outro lado dos mesmos crimes que cometem. Os lados, como o texto que li, falam de democracia sem compreender do que se trata.

O autor diz que: "Democracia não é aquilo que você esperneia até acontecer o que você quer, o nome disso é birra e ela é aceita até os 7 anos de idade.
Democracia pressupõe maturidade.
Maturidade em respeitar a opinião da maioria em uma eleição, mesmo que isso signifique não ter a sua vontade contemplada."




E aí que está o problema. Porque o fato de alguém ter cometido um crime antes e ter saído impune, não descaracteriza a sua conduta idêntica como crime também. Independente do erro do outro e das consequências que ele tenha gerado, a sua conduta idêntica também é errada. E aí, todos erram, todos cometem crimes. Sejam eles os ministros e presidentes, que aparelham o estado, sejam os deputados e senadores, que se escondem atrás de discursos vazios enquanto enchem suas contas bancárias, sejam os juízes, que acreditam que podem atuar como promotores e delegados.

Vou até um pouco além e dizer que Democracia não precisa supor maturidade. Mal se pode dizer isso do tempo em si. E a nossa jovem Democracia não só ainda tem muita coisa para aprender, como ainda vai, tenho fé. Vou lembrar que a Dilma é apenas a 5ª presidente na história do país a ser eleita e completar um mandato. Note que disse a história do país, não dessa república. Isso é positivo? Talvez não. Mas já é um grande avanço, principalmente quando desconsideramos as reeleições, e lembramos que nunca tivemos mais de dois mandatos eleitos e completos seguidos, e, nas últimas décadas, tivemos 5.

Porém, democracia republicana não é respeitar a opinião de uma maioria que vota em eleição. Isso é ditadura da maioria, que pode e deve ser contestada através dos movimentos populares, como o fazem 99% dos movimentos sociais, principalmente os liderados pelos jovens. Poucas coisas melhor ilustram uma democracia republicana do que as casas legislativas eleitas, com representantes do povo, destituindo um líder individual também eleito, por sua improbidade. Justamente por isso é possível afirmar que vivemos numa República Democrática, e não em um estado autoritário.

É fácil demais apontar o dedo na cara de alguém e dizer que ele não pode fazer alguma coisa, porque “os fins não justificam os meios”. Difícil é parar para ouvir o que você mesmo diz, e saber reconhecer que você está partindo do mesmo princípio.

Reconhecer que, se eu quero a Dilma fora porque sou de direita, você a quer dentro porque é de esquerda. Ou que, por mais que você ache o governo dela desastroso, acha que governo que entrar (o do Temer, democraticamente eleito junto com ela, pelo mesmo eleitorado) será pior para o desenvolvimento social. Quando se pensa assim é fácil focar no argumento em si, e esquecer da parte que diz “você acha”. Muito menos focar na parte do “você”.

Porque, enquanto se clama defende a legalidade, não se apresenta um argumento legal para defender a presidente. Só se fala em argumentos morais para desqualificar aqueles que apoiam o impeachment. E, se isso não é justificar os meios pelos fins, você não pode acusar as outras pessoas de fazê-lo.

O que a Democracia pressupõe é justamente isso. Pressupõe que, independente dos fins, respeitem-se os meios. Essa é a maneira democrática de se alcançar um fim, seja ele qual for. E, no Brasil, ninguém mais sabe separar o que é meio e o que é fim, que dirá se preocupa em respeitar qualquer um dos dois.



Me preocupa mesmo o fato de que o brasileiro realmente acredita que "o Brasil não é para iniciantes". Se acha esperto, e acha que é melhor em tudo, até no nível de compliexidade da própria sujeira. Somos incapazes de lembrar que, na verdade, os amadores somos nós.


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