Sobre respeito, covardia e ovos

3.10.18


Fonte: https://www.pensador.com/frase/NTE3NTA5/
O mundo tá chato, né? Pelo menos é o que eu ouço muita gente falando por aí. Por exemplo, toda hora sai um estudo dizendo que ovo faz muito mal à saúde. Uma semana depois, um novo estudo sai dizendo que o ovo faz muito bem. Logo depois aparecem as pessoas comentando sobre os dois estudos, e em seguida aparecem mais estudos, inclusive alguns falsos. Aí pronto, discute-se até Fake News do ovo. E nós, que só queríamos uma omelete, ficamos na dúvida do que fazer.

Fonte: https://www.naturalcura.com.br/beneficios-do-ovo/
Essa dúvida incomoda. Afinal, sempre comemos nossa omelete todo dia de manhã e seguimos saudáveis. Hoje, tem gente que diz que não podemos comê-las. Isso tudo é um saco! E mais, agora que temos dúvida sobre o ovo, é até mais difícil comer tranquilo, mesmo que tenhamos decidido não ligar para a galera. É complicado tirar a pulga de trás da orelha. Hora ou outra ela dá uma coçada.

Só que ela coça porque, na verdade, a gente não sabia se podia ou não comer o ovo, só achava que sabia. Afinal, não seriam vários estudos se já soubéssemos tudo que temos para saber sobre ele. E esses estudos nos mostram que, de fato, não sabemos exatamente se o ovo faz bem ou mal. Ou melhor, mostram que comer ovos pode fazer bem ou mal, dependendo da pessoa e da situação.

A coisa é de fato mais complicada do que “pode” ou “não pode”. Não tem uma regra geral pra todo mundo e cada um vai ter que pensar/descobrir por si. Talvez por isso pareça um saco.

Fonte: https://fontedasaude.org/ovos-e-colesterol-ha-alguma-relacao/
Acontece que o foco aqui não são os ovos. Eles representam apenas o que acontece com alguns dos discursos modernos com que as pessoas se importam. O politicamente correto, muito como o ovo, tem sido visto ora como herói, ora como vilão. Não se pode mais fazer piada com isso, não se pode mais falar aquilo. Não se pode mais falar “gostosa” pra uma mulher na rua, não se pode mais chamar o atacante do outro time de “veado”...

A questão é que, da mesma forma que hoje é mais fácil descobrir como nossos hábitos alimentares nos afetam, ficou mais fácil perceber que nem todos eram felizes e saudáveis naqueles tempos. Às pessoas que acabavam ofendidas ou oprimidas estão muito mais visíveis e nos vemos obrigados a pensar nelas.
Fonte: https://imagy.com.br/a-gente-esta-num-mundo-tao-chato-que-daqui-a-pouco-vai-ser-proibido-sorrir/

Por isso, ficamos até na dúvida sobre o que podemos ou não dizer. E o nosso discurso, antes mais livre, precisa ser cada vez mais filtrado, exigindo cada vez mais esforço. Igual ao ovo, é muito mais complicado do que “pode dizer” ou “não pode dizer”. Não há uma regra geral e cada um tem que botar a mão na própria consciência...

E isso incomoda. Ser obrigado a pensar e botar a mão na consciência incomoda. Estávamos muito mais confortáveis achando que somos pessoas que pensam no próximo sem considerar essas questões. Afinal, antes, falar e fazer essas coisas não constituía falta de consideração (ou, pelo menos, acreditávamos que não). E nós desejamos de volta o tempo em que isso era considerado verdade, quando podíamos simplesmente ignorar a quem isso afetava, sem nos incomodar.

Mas, com toda essa gente fazendo barulho no amplificador da internet, é muito mais difícil ignorá-las, mesmo que decidamos não ligar para esses discursos. Fica uma pulga atrás da orelha, no mínimo.

Fonte: http://www.pavablog.com/2015/06/19/a-incrivel-geracao-das-pessoas-chatas/
O que me vem à cabeça quando eu vejo as pessoas reclamando que o mundo está chato é justamente a imagem do ovo. A imagem da pessoa que diz que não quer comer saudável e prefere ignorar o que o mundo vem descobrindo sobre como os hábitos alimentares influenciam tanto a nossa vida que até afetam nosso humor.

E, não me entendam mal, eu sinto muita empatia por essas pessoas. Eu sinto, porque eu sou uma delas. Não que eu diga que o mundo está chato porque não posso fazer uma piada, mas eu não consigo comer saudável de jeito nenhum. Por mais consciência que eu tenha de que essa escolha não é a melhor para mim, os meus hábitos alimentares continuam rudimentares e nada ideais. E, por isso, estou muito acima do peso e tendo que lidar com problemas de saúde que eu não deveria ter que lidar por, no mínimo, mais 20 anos.

Ainda não sei como balancear as coisas, mas eu tenho consciência de que o jeito que vivo hoje não é bom. Eu sei que estou errado e, querendo ou não, sei que terei de lidar com as consequências do que já fiz, e com as consequências de tudo que eu fizer, se não mudar de hábitos. Da mesma forma que reconheço como é difícil traçar uma linha diferenciando o que de fato é ofensivo daquilo que é “frescura”, mas também reconheço que isso não isenta ninguém de qualquer ofensa que tenha causado.
Fonte: https://superela.com/o-mundo-ta-chato-e-nos-tambem
Então, se você é uma dessas pessoas que acha que o mundo tem que voltar a ser aquele de décadas atrás, onde podíamos dizer coisas que hoje achamos ser barbaridade, tenha ao menos consciência do que isso significa. Eu sei que meus hábitos alimentares são ruins. Sei que eles me fazem mal, e juro que minha luta mais intensa comigo mesmo é sobre o que fazer com essa consciência, sobre como conseguir viver melhor e me adaptar ao que hoje eu sei que não é saudável, mesmo que, quando menor, eu não tenha aprendido isso.

É difícil, eu sei. É difícil aceitar que não sabemos alguma coisa. Difícil tomar consciência de que uma mudança é necessária e incorporá-la à força na nossa vida, principalmente quando ela vem funcionando bem.  Até hoje se discute se o aquecimento global existe mesmo, só porque é muito mais fácil viver em um mundo onde ele não exista, e o mundo em que estamos vivendo vem funcionando. Assim como é mais fácil viver num mundo onde a gente sabe que o ovo faz bem ou faz mal e que nós podemos falar o que quisermos sem ofender ninguém.


Legenda: 
Dr.: “Você está doente”; Eu: “Ah não”; Dr.: “Mas você pode se curar com uma dieta saudável e exercício”; Eu: “AH NÃO”. 

Fonte: https://en.dopl3r.com/memes/dank/ali-garfinkel-ataligarchy-dr-you-have-this-disease-me-oh-no-dr-but-you-can-cure-it-with-a-healthy-diet-and-exercise-me-oh-no/403379
Mas ignorar se o ovo faz bem ou mal não muda o fato de ele influenciar o nosso organismo, para um lado ou para o outro. Assim como ignorar que certas coisas que dizemos e fazemos fazem mal a algumas pessoas não faz com que essas pessoas não se sintam mal ou ofendidas. E, quando você for votar num candidato porque “o mundo está muito chato e ele enfrenta isso, para que tudo volte ao normal”, lembre-se que o que ele está defendendo é a volta da ignorância de que aquilo faz mal, ou de que aquilo ofende alguém.

Ele não vai fazer com que o aquilo faça bem ou não mais ofenda as pessoas. Mesmo que ele tenha sucesso e as pessoas voltem a aceitar esse tipo de coisa, sempre ficará aquela pulga no ouvido chata, que não vai embora, e que vai voltar, muito pior, mais à frente.

Eu não minto para mim mesmo. Não digo que ignorar os avisos dos médicos, amigos e familiares vai fazer com que eu seja saudável. Não me iludo ao ponto de acreditar que posso continuar comendo mal sem sofrer as consequências. E sei como é difícil aceitar a mudança de hábitos e sei que falho todos os dias em que não melhoro, mas me iludir seria covarde.

Não minta para si mesmo. Não finja que ignorar o que esses discursos geram vai fazer com que as pessoas não se ofendam mais. Não se iluda a ponto de acreditar que você é uma pessoa que se importa com o próximo, mesmo ofendendo e machucando muitos próximos com suas palavras e hábitos. Essa revolta pode parecer justa, mas é difícil não vê-la como covardia.

Se você não quer ou não consegue mudar, fica aqui o meu abraço. Eu também tenho dificuldades. Mas se você prefere o caminho mais fácil, o meu abraço não te faz menos covarde.

Fonte: https://pt.memedroid.com/memes/detail/470061






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