Vou ao trabalho, mas não sei se vou trabalhar

28.4.17


Existe sempre uma lição a ser aprendida, seja qual for a situação que a vida lhe apresente. Não posso provar isso, então, talvez, seja aqui o mais próximo que chego de verdadeira e genuína fé. Toda situação, não importa qual seja, tem algo a ensinar a qualquer pessoa que ela se apresentar. Assim, a greve geral também tem algo a lhe ensinar, seja você de esquerda ou de direita, esteja você aderindo ou não.

No meu caso, a greve propôs uma série de reflexões, apesar de não exatamente as reflexões que os organizadores – se é que existem –tentaram gerar.

Veja bem, sobre a reforma da previdência eu refleti quando ela foi apresentada e quando eu a estudei brevemente. Da mesma forma, refleti sobre a reforma trabalhista quando tomei conhecimento do seu escopo e objetivo. Tenho minhas criticas a ambas, mas não chego a me opor a elas. Prefiro o debate sobre elas do que a sua rejeição. Não acho que sejam desnecessárias, muito menos tão prejudiciais quanto as pintam.

Contudo, a reflexão mais importante que essa greve me proporcionou até aqui foi sobre a nossa vida em sociedade.

Vivemos em um mundo capitalista – ainda bem - que preza o individualismo. A cultura social também vem estimulando o individualismo, ainda que de uma maneira comunitária. As brigas sociais tem seu foco no indivíduo, nos direitos e nas liberdades individuais, na igualdade entre indivíduos de todas as raças, credos e sexos, mas entre indivíduos. Hoje, pouco se fala em comunidades como uma entidade. Como um organismo único, uno, vivo.

Nesse contexto social, não me surpreende que muitos se perguntem: “E como ficam as pessoas que querem trabalhar amanhã? Como ficam os professores que querem dar aulas? Como ficam os alunos que querem estudar?”. Para nossa concepção individualista da coisa, pode até mesmo ser revoltante que a liberdade de greve interfira em todas as outras liberdades individuais daqueles que não querem aderir. E talvez essas pessoas estejam certas, afinal, o raciocínio faz bastante sentido.







Veja bem, não acho que o pensamento individualista seja de todo ruim. Pessoalmente, sou capitalista e até mesmo individualista. Prezo muito minha liberdade e minha independência. Mas acontece que, justamente por ser assim, sempre me forço a lembrar de como sou, de fato, incrivelmente dependente, não importa o quão livre ou "economicamente" independente eu seja.

Talvez, apenas talvez, nós precisemos ser lembrados de que para chegar no trabalho, nós precisamos do motorista de ônibus, do trocador, ou do operador do metrô. Para que o professor possa dar a aula, o funcionário da escola tem de destrancar a porta e o inspetor tem que patrulhar os corredores.  Essas pessoas também tem liberdade e opinião, e elas são tão importantes quanto o nosso trabalho ou o nosso estudo. Quem sabe, até mais.

Eu avisei a todos na minha empresa que vou trabalhar amanhã. Não quero e não vou aderir a greve. Avisei, inclusive, que se não tivesse ônibus, metrô ou taxi nas ruas, eu iria andando para a empresa. Nem que chegue atrasado e suado, eu vou para a empresa amanhã. Nesse sentido sou não apenas livre para ir andando ao trabalho como autossuficiente para conseguir fazer isso sozinho.

Mas se eu chegar lá e não tiver ninguém na portaria para me deixar entrar, eu vou ficar do lado de fora, ou então voltar pra casa, também a pé. E se meus colaboradores não chegarem aos seus trabalhos, mesmo que eu entre, não terei tanto trabalho a fazer. Muitos desses colaboradores, por sinal, não moram a 40 minutos a pé da empresa, e talvez não consigam ir andando.

Vivemos em sociedade justamente porque, individualmente, não somos autossuficientes. Até mesmo o capitalismo e a livre iniciativa depende de um sistema de trocas para gerar valor. Somos livres, sim, mas não bastamos por nós mesmos. Precisamos dos outros para que possamos funcionar, da mesma forma que estes outros também precisam de nós. E para que nós possamos exercer nossa liberdade, todos também tem de poder exercer as suas. Não podemos restringir as de uns em beneficio de outros.

"Estou livre! Estou finalmente livre!!!"
Porém, está sozinha. Já pensou se tivesse de caçar para comer?


Por isso é importante respeitar as instituições. Por isso é importante entender que nem tudo se resolve em uma máquina de calcular e de contar dinheiro. É importante que todos se sintam ouvidos, respeitados, representados. Não só uns, nem só outros. Todos.

Assim, não pintem quem vai protestar amanhã de herói ou de vilão. Nem pintem quem vai trabalhar. Somos todos parceiros, querendo ou não, com os mesmos objetivos, ainda que escolhamos caminhos diferentes para tentar alcançá-los.

Respeitem as lutas diárias de cada um, seja levantando a bandeira na rua contra o governo ou caminhando em direção ao seu local de trabalho. E lembrem-se sempre que, mesmo que composto de centenas de milhões de indivíduos diferentes, o povo brasileiro é um só.


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