Ela não era homem nenhum...

8.3.16

"Seu tolo! Homem nenhum pode me matar."

Sabe, às vezes eu fico pensando se um dia o machismo vai acabar. Na maioria das vezes, acho que não.

Todo dia eu acordo e ainda tenho de pensar se sou machista. Não é brincadeira. Ao menos uma vez ao dia eu me confronto com alguma situação que, se analisada com cuidado, pode levar a alguma conclusão machista. Eu me sentiria mais culpado por isso - e já perdi tempo demais sentindo isso - não fosse a convicção de que eu provavelmente sou machista. Por mais que eu lute, eu ainda sou. Sabe, só se pode deixar de ser alguma coisa se, em algum momento, você for tal coisa. Por esse lado, ainda há esperança.

Eu sempre olho para os lados e vejo gente dizendo que não é racista, homofóbico ou machista. Gente que se diz convicta de que vive a favor da liberdade, da igualdade, e que sempre incorpora os valores que defende no dia-a-dia. Eu não sou desses. Eu sou a favor da igualdade e da liberdade, mas incorporar os valores é difícil e requer uma luta diária. Eu não tenho medo de admitir isso. Porque enquanto eu luto para mudar, vejo as mesmas pessoas cometendo gafes e absurdos sem  perceberem, de tão convictas que estão.


Então hoje, no dia internacional das mulheres, resolvi pensar um pouco mais sobre como comecei a perceber que eu era machista e como comecei a perceber, também, que eu estava muito, muito errado em sê-lo. O nome da pessoa responsável por isso é Eowyn, mas você também pode culpar o Professor Tolkien, que a criou.

Eu sei, ela é uma personagem de O Senhor dos Anéis - um livro de 1930 -, e, sendo aquele que vos fala uma criança da década de 90, eu provavelmente fui exposto a outras personagens femininas fortes e modernas que ajudaram a moldar a ideia que eu tinha de machismo e feminismo, antes de esbarrar nessa loira maravilhosa. 

Mas não é disso que se trata. Se trata de quem foi quem mais me marcou. Quem caminha comigo até hoje, como um lembrete simples e superficial, mas que serve como porta de entrada para tudo o que o feminismo e a briga por igualdade entre os sexos significou e significa para mim.



Eowyn foi a primeira personagem feminina por quem me apaixonei (me desculpe, Hermione). Mas, além disso, foi a primeira personagem feminina que me mostrou que a mulher pode ser tanto machista quanto feminista. Que ela pode ser princesa, se apaixonar por um rei que não conhece, ser resgatada por ele de pesadelos durante a noite, e, ainda sim, ser uma guerreira feroz, uma líder carismática, sincera e poderosa, uma heroína de guerra, e, no final, uma esposa e mãe dedicada.

Veja bem, na minha infância, eu conhecia a mulher que abdicava da família e construía uma carreira de sucesso. Conhecia a mulher que era mais forte que os homens e que batia em inimigos que nenhum deles conseguia bater. Conhecia a mulher que renunciava o homem pela sua própria liberdade e seu próprio sonho. Conheci até a mulher que se recusava a trabalhar fora de casa, decidida a cuidar da família e dos filhos. Só que elas nunca eram a mesma mulher. E eu, como uma criança/pré-adolescente, muitas vezes não sabia o que de fato as mulheres queriam ser.


Até que Eowyn me mostrou que elas só queriam ser quem sempre foram. Elas queriam ser tudo isso e mais um pouco. Queriam ser elas mesmas. E isso poderia significar ser uma daquelas coisas, todas elas, ou até uma coisa nova. Quem sabe até uma coisa de cada vez, fazendo um rodízio de acordo com a necessidade do tempo.

E, quando ela me mostrou que estava tudo bem ser tudo isso - que, na verdade, ela era melhor até do que a princesa élfica da beleza imortal -, meu Deus... Foi ali que eu soube que eu podia ser tudo o que eu quisesse também, sem me preocupar. Se ela, mulher, esposa e princesa, podia lutar e continuar sendo mulher, eu podia chorar e continuar sendo homem. E eu não estaria errado quando decidisse lutar, como ela não estava quando casou com um príncipe e foi viver em seu castelo. Lá ela foi esposa, mãe e governante, do mesmo jeito que eu poderia ser corajoso e sensível onde quer que eu quisesse. 



Até hoje meus amigos brincam comigo por causa de alguns dos meus gostos e atitudes. Já me incomodou um dia, mas hoje... tudo bem, eu não me importo. Juro. Aposto que a Eowyn também riu de ter matado o Nazgul depois. Riu com quem a ama, do mesmo jeito que eu. Isso tudo não importa. O que as pessoas pensam, o que as pessoas esperam que nós sejamos ou como elas reagem a quem nós realmente decidimos ser. Tudo isso é descartável. Afinal, na hora de matar o rei bruxo, foi ela que brandiu a espada. E adivinha para quem os meus amigos ligam quando querem conselhos de coisas mais sensíveis? Para as suas respectivas namoradas, ok, mas depois para mim...

Então, neste dia internacional da mulher, eu gostaria de dizer algumas coisas a todas elas. Primeiramente, minhas mais sinceras desculpas. Nós vivemos em uma sociedade que ainda não sabe lhes dar o devido valor e, como membro dessa sociedade, eu também sou responsável por isso. Me desculpem por todas as vezes que faço uma piada de mal gosto, ou se alguma vez eu já exagerei com alguma coisa que eu disse, quando deveria ter ficado calado. Me desculpem se eu já lhes assustei, ou se as desrespeitei de qualquer forma. E me desculpe por todas as vezes em que ainda vou fazer uma ou todas essas coisas. Eu juro que estou fazendo o que posso para que isso nunca mais aconteça.



Mas, principalmente, muito obrigado. Obrigado por nos dar a vida - tanto a nossa quanto a de vocês. Obrigado por serem fortes, cada uma a seu próprio jeito, e por serem fracas, quando precisam ser. Obrigado pela coragem e pelas lágrimas derramadas. Pelas brigas, palmadas, feridas e esporros. E pelas declarações, carinhos, cartinhas e tudo aquilo que a gente finge que é homem demais para apreciar, mesmo que estejamos secando os olhos para não chorar. Obrigado por lutarem por vocês e por serem um exemplo de como todos devem lutar por si mesmos. Por isso e por tudo o mais que vocês ainda vão fazer pelo mundo, muito, muito obrigado.


E, para os homens que querem saber mais sobre como contribuir com a igualdade de gêneros, fica aqui o link da palestra da Emma Watson, embaixadora da ONU no programa HeforShe. Pronto, Hermione, happy now? Não esqueci de você...



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