Sr. Holmes - O livro e o filme

16.2.16



"Passo a minha vida procurando escapar das coisas banais e corriqueiras da existência" disse uma vez o grande e mitológico detetive Sherlock Holmes. O que será que aconteceria a ele, então, quando a idade o obrigasse a lidar com nada mais do que as coisas mais banais e corriqueiras da existência? Alguns dizem que ele não aguentaria viver até esse momento, seja pelo seu amor pelas situações mais complexas, seja pelo seu amor pela cocaína. Outros diriam que sua mente continuaria tão afiada quanto sempre estivera, mesmo que o corpo não a acompanhasse. Outros, como Mitch Cullins, resolvem escrever um livro inteiro tentando responder a essa pergunta.

E então, o livro vira filme, e o ator que já era o Gandalf e o Magneto resolve que ele pode incrementar um pouco mais o currículo. Aí temos um filme baseado em um livro, com um figurão do cinema mundial, contando a história do Sherlock Holmes de 93 anos de idade.

Digamos que nós fiaçamos uma boa e velha farra hoje, você vai se acomodar, ter uma família e eu vou... morrer sozinho?


Recentemente terminei a leitura do livro e me permiti assistir ao filme estrelado por Sir. Ian Mckellen. Não fiquei decepcionado, mas também não fiquei entusiasmado com o resultado, tanto de uma obra quanto de outra. Falei especificamente do livro na minha resenha do Blog da Liga, mas aqui quero falar tanto de um como de outro, e como eles conversam entre si e com a história de Sir. Arthur Conan Doyle.


Fica aqui então o alerta de Spoiler. Não siga se não leu o livro nem viu o filme.

Ooh, isso está ficando divertido, não?
Vale dizer aqui que o livro toma uma série de liberdades e não faz a menor questão de seguir a história conforme ela é contada no livro. E isso é bom por dois motivos. Primeiro pois, apesar de contar a mesma história, o filme precisa de artifícios específicos para conseguir despertar no leitor o que o livro desperta. Depois por que o livro, em si, tem um pouco de dificuldade em estruturar as três linhas temporais que comportam sua trama, obrigando a adaptação a se reorganizar de maneira diferente.

De modo geral, achei o filme mais fluído e interessante do que a leitura, e isso é raro, principalmente considerando que nenhuma das duas obra apresenta algo de exclusivo ou espetacular. Eles não querem e não pretendem ser espetaculares como as antigas histórias de Holmes o são. Ele quer mesmo tratar das coisas banais e corriqueiras de que Sherlock passou a vida tentando fugir, e que descobriu no final que não tinha para onde correr.

A história do Sr. Uzemaki perdeu bastante cor no filme, e muito do que nos era importante no livro foi deixado de lado. E é interessante perceber como muito do que foi omitido na tela era de fato desnecessário também no papel. No Japão, temos um primeiro desenvolvimento do sentimento paterno de Sherlock Holmes, mesmo que reprimido e repudiado, e, mais importante ainda, o vemos quebrar a barreira da verdade, abrindo mão da realidade pela ficção e finalmente reconhecendo o seu valor.

Ao mesmo tempo, a história de Londres parece ganhar mais importância no cinema, e, na minha opinião, foi a que mais me interessou também enquanto lia. O conto mais misterioso, que tem o dever de mostrar o final da carreira de detetive de Sherlock, quase apaixonado por uma mulher de quem sabemos muito pouco. A dor da perda e a culpa da falha dão cor e testura a um personagem tão etéreo da nossa cultura.

E, por ultimo, a história em Sussex, com Roger, é a que sofreu a alteração mais significativa. O menino desperta em Sherlock o paternalismo de maneira diferente que o Sr. Uzemaki, e nós nos afeiçoamos a ele juntamente com Sherlock. Nas páginas, somos obrigados a sofrer também a sua inesperada perda e, por isso, foi uma grata surpresa ver a recuperação do menino na tela.

E essa mudança veio justamente para confirmar a minha opinião enquanto terminava o livro. A morte de Roger é desnecessária, e me soa como um artifício para dramatizar o texto sem um propósito específico. Poderiamos vê-lo em um acidente e teriamos Holmes sofrendo com um possível luto do menino, relembrando o luto de todos aqueles que já perdeu, como Watson, Mycroft e todos os outros. Mas não precisavamos de uma morte infantil.

Por isso, preferi o filme ao livro, o que é raro. O livro peca em contar coisas desnecessárias. O paternalismo de Holmes não precisava ser tão explorado no Japão, se seria também exporado em Sussex. A morte de Roger não precisava acontecer para desencadear os eventos que o autor pretendia usar para transmitir o que ele queria. E o choque gratuito torna a experiencia menos gratificante.

Finalmente, a interpretação de Sir Ian Mckellen não deixa nada a desejar. Elegante como o famoso detetive, assustadoramente devastado como o senhor com mais de 90 anos, ele consegue interpretar todos as faces que Sherlock ganha nessa história com facilidade. Porém, a descaracterização do personagem mitológico - em parte por causa da velhice, em parte por escolhas mal feitas do autor - facilitam um pouco o seu trabalho.

As palavras foram escritas para mim em um roteiro.
De maneira geral, foi uma boa leitura e um filme um pouco melhor. Não posso dizer que me arrepende de um ou de outro. Apenas posso dizer que esperava mais. Estamos acostumados a histórias de Holmes onde tudo se encaixa no final, e vemos que nada foi por acaso. E, mesmo que tenha sido proposital, o fato de isso não ocorrer aqui chega a ser decepcionante. Afinal, é como disse o próprio Sherlock:

"Se não houver recompensa após a vida, então o mundo é apenas uma brincadeira cruel."

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